Viaduto Santa Ifigênia: 120 anos de história e quase 80 anos pagando
A primeira obra em aço estrutural de ampla documentação e registros fotográficos foi o Viaduto Santa Ifigênia. Talvez ele não teria saído da esfera de planejamento não fosse Raymundo da Silva Duprat, nascido em 11 de dezembro de 1863 em Recife. Conhecido como Barão de Duprat. Apesar de sua importância nesse projeto, ele não era engenheiro.
Precisamente, ele foi vereador, posteriormente prefeito da cidade de São Paulo, e recebeu o título de barão por parte da Santa Sé por meio do Papa Pio X, no entanto, como prefeito de São Paulo na época, ele entregou a placa de inauguração da obra de arte presente até hoje na paisagem paulistana
A história é a seguinte: Em meados de 1900, a cidade de São Paulo já sofria um sério problema com congestionamento (sim, há mais de um século), e mesmo durante a construção do Viaduto do Chá, a primeira Estrutura em Aço do Brasil, já se discutia a necessidade de unir os Largos São Bento e Santa Ifigênia.
Basta olhar esta foto do início da obra e tentar imaginar a dificuldade de transitar entre um ponto e outro.
A cidade de São Paulo crescia em um ritmo alucinante na começo dos anos 1900, e era necessária uma solução igualmente rápida e eficaz para o crescente número de habitantes, visitantes, trabalhadores que a modernização e desenvolvimento da cidade trazia, e as construções em aço traziam já essa promessa.
A esta altura já haviam estruturas icônicas pelo mundo afora e a velocidade de construção era o que saltava aos olhos dos governantes daquela época. A torre Eiffel ,por exemplo, havia sido concluída em 1889 levando apenas 2 anos e 2 meses (um fato inédito até o momento), e a forte propaganda que essa e outras obras em aço faziam estimulavam os engenheiros e governantes a adotar a solução.
Em 1893, a Câmara Municipal autorizou a desapropriação dos terrenos pertencentes ao Mosteiro de São Bento e a Cia Paulista de Vias Férreas e Fluviais para 15 anos depois iniciar a concorrência entre empresas que seriam escolhidas para o projeto.
No dia 2 de maio de 1908, a concorrência para construção do viaduto Santa Ifigênia foi aberta e a prefeitura de São Paulo analisou 5 projetos apresentados por:
- Bromberg Haecker & Cia
- Schmidt & Trost
- Cia Mecânica Importadora
- Lion & Cia
- Giulio Micheli
Da lista acima, o arquiteto italiano Giulio Micheli apresentou a proposta vencedora com um projeto bastante detalhado e um minucioso e preciso memorial de cálculo.
Em 1910 finalmente inicia a construção da primeira grande obra de aço brasileira a ser documentada e fotografada, (Já existia o Viaduto do Chá desde 1892). Vale lembrar que fotografia era algo caro 100 anos atrás, porém a municipalidade de São Paulo fez questão de documentar essas raras imagens de valor histórico.
O viaduto foi construído com 1.100 toneladas de Aço e ferro fundido vindos da “Société Anonyme des Aciéries d’Angleur”, (Tilleur, Bélgica)
A estrutura chegou totalmente fabricada, desembarcando no porto de Santos. Após as enormes dificuldades que enfretaram para subir a Serra do Mar pela Estrada de Ferro S. Paulo Railway, começou a ser montada no local definitivo utilizando as ligações rebitagem a quente (processo mais comum na época em que a soldagem e usinagem de parafusos ainda não atingiam processos com qualidade e produtividade suficientes para as necessidades da construção metálica)
Todas as peças vieram devidamente identificadas, tipadas e numeradas, tendo seus detalhes em pranchas feitas à nanquim.
Sua montagem realizada pela Lidgerwood Manufacturing Company Limited, sob a direção do engenheiro Giuseppe Chiappori.
O mestre de obras alemão Johann Grundt coordenou a execução e supervisão das fundações. O viaduto foi construído entre 1911 e 1913 (atrasou 1 ano devido a falta de mão-de-obra qualificada e a quantidade de imóveis a serem desapropriados e demolidos)
Fatos curiosos sobre o viaduto Santa Ifigênia:
A prefeitura da cidade de São Paulo solicitou um financiamento de 750 mil libras à Inglaterra(algo próximo de 5500 kg de ouro) para construir o viaduto. Em valores atuais, considerando a cotação Real x Ouro, isso seria equivalente a aproximadamente 1 bilhão e 750 mil reais. Foi o projeto mais caro da época, inclusive alvo de muitas polêmicas..
Isso rendeu à ponte o título de grande primeiro endividamento externo da cidade de São Paulo, que só foi quitado em 1987, ou seja, 76 anos após o início das obras.
Durante mais de 65 anos foi utilizado por pedestres, bondes, ônibus e carros, e veículos de tração animal. Hoje em dia é um calçadão onde só passam pedestres.
Algumas características do projeto definitivo:
- Dois vãos de 30 m, em vigas retas de alma cheia e 3 vãos em arco com 55 m.com montantes verticais e longarinas de alma cheia.
- Tabuleiro Superior, com cinco vãos independentes, completando 225 m.de comprimento total, e com largura entre guarda corpos, de 13.60 m. Calçadas com 2.55 m.com oito cm de concreto e 2 de asfalto.
- Pavimentação da via de trânsito com blocos de Granito (paralelepípedos)
- Duas vias de trilhos para bondes “elétricos”, com bitolas paralelas de 1.44 m, centradas em relação ao eixo. O sistema estrutural dos três tramos centrais com 55 m compreende arcos com três rótulas, com uma flecha de 7.5 m, ou seja, entre L/7 e L/8.
Os quatro arcos paralelos são formados por vigas curvas em caixão, totalmente executadas em aço laminado e constituídas por duas almas de chapas, ligadas ás mesas e formadas por 4 cantoneiras e tiras de chapas, totalmente rebitadas. Com exceção dos guarda corpos em ferro fundido, toda a estrutura foi fabricada com aço laminado, uma tecnologia ainda bastante cara na época. Montantes verticais se apoiam diretamente sobre os arcos e são equidistantes de 3,665 m, formando 15 painéis Uma longarina interliga os topos dos montantes no sentido longitudinal. Existem vigamentos transversais, interligando os quatro arcos paralelos, existindo os necessários contraventamentos verticais e horizontais.
A escolha do sistema de arco triarticulado provavelmente foi escolhido devido ao processo de cálculo e dimensionamento, já que se trata de uma concepção de estrutura isostática, e na época não haviam computadores para facilitar os cálculos de estruturas hiperestáticas.
A estética geral do viaduto seguiu estilo concebido em “art nouveau“, e teve cuidado especial para os guarda corpos e detalhes artísticos feitos em volutas (ornamentos) de ferro forjado, interligados por montantes em ferro fundido com diversos adornos artísticos.
“Com 225 metros, o viaduto Santa Efigênia, o segundo viaduto da cidade, foi inaugurado em 26 de julho de 1913 para ligar o centro novo ao centro velho como fazia o Viaduto do Chá. A construção surgiu da necessidade de livrar do congestionamento o “ponto mais embaraçado da cidade – o cruzamento das ruas São Bento e Direta – desviando por outra zona grande numero de bondes e veículos que circulavam pelo viaduto do Chá”, informava o jornal: ‘Estado’ em janeiro de 1911.
Fatos intrigantes:
- Foram 15 anos de debate até chegaram à concepção final da obra
- a Cidade de São Paulo contraiu quase 80 anos de dívida externa com a Inglaterra para construir o viaduto.
- Foi uma das obras do chamado “Plano Bouvard” (O então prefeito Barão de Duprat optou por entregar os principais projetos de urbanização ao francês Joseph-Antoine Bouvard, a mídia repercutiu ferozmente sobre “transformar São Paulo na “Paris brasileira”.)
- Levou apenas 3 anos para montagem ( atraso de um ano devido a falta de mão de obra capacitada).
Hoje o Brasil é um dos líderes na fabricação de aço estrutural. Muitas das empresas envolvidas desde o começo dessa história foram incorporadas repetidas vezes herdando dívidas enormes e perdendo mercados (como o Brasil e a Coréia do Sul, que desenvolveram suas próprias indústrias)
Espero que tenha gostado dessa pesquisa!
Caso tenha fotos, histórias, fatos curiosos sobre esse importante marco na história da construção civil, engenharia e uso de estruturas metálicas deixe seu comentário
Agradecimentos as fontes, imagens, e pessoas que colaboraram com essa incrível obra, o Viaduto Santa Ifigênia que sem dúvida foi uma das mais importantes obras em um periodo crucial da história do desenvolvimento econômico e demográfico de nosso país.
Referências: http://belgianclub.com.br/pt-br/heritage/viaduto-santa-ifigênia-são-paulo
https://acervo.estadao.com.br/noticias/lugares,viaduto-santa-efigenia,8547,0.htm
Créditos pela excelente galeria de imagens: https://saopauloantiga.com.br/a-construcao-do-viaduto-santa-ifigenia/ (todas as fotos tiradas entre 1910 e 1911 por F. Manuel)
Visitei S. Paulo inicio deste mes, e fiquei encantado com o viaduto. Bateu na alma. Como um reencontro.
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