Ao sair da universidade e obter registro nos CREAs regionais, muitos engenheiros têm dúvidas se podem ou não assumir responsabilidade técnica por obras de estruturas metálicas. O assunto é polêmico e muitas vezes confuso, devido a diversas interpretações e decisões conflitantes que estão vigorando nos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia do Brasil.
Antes de qualquer coisa, você precisa entender como os CREAs conferem atribuições profissionais aos egressos dos cursos de Engenharia no Brasil: Todos os cursos têm suas grades curriculares cadastradas nos Conselhos regionais, e é com base nessas grades, nas matérias que o estudante cursou durante a faculdade que o CREA vai decidir quais atribuições vai dar. Uma vez analisada a grade, todos os alunos que se formam naquela Universidade recebem as mesmas atribuições profissionais, que sempre remetem a uma resolução vigente no CONFEA.
Atualmente a resolução mais utilizada para conferir atribuições é a RESOLUÇÃO 218, de 1973. Quando digo que é a mais utilizada é porque nem todas as modalidades de engenharia estão cobertas por essa resolução, tendo resoluções específicas para conferir atribuições, como é o caso do Engenheiro de Segurança do Trabalho e Engenheiro de Produção.
A Resolução 218 do CONFEA inicia definindo 18 atividades que podem ser exercidas pelos profissionais de engenharia, cada qual com um código numérico para referência:
Atividade 01 – Supervisão, coordenação e orientação técnica;
Atividade 02 – Estudo, planejamento, projeto e especificação;
Atividade 03 – Estudo de viabilidade técnico-econômica;
Atividade 04 – Assistência, assessoria e consultoria;
Atividade 05 – Direção de obra e serviço técnico;
Atividade 06 – Vistoria, perícia, avaliação, arbitramento, laudo e parecer técnico;
Atividade 07 – Desempenho de cargo e função técnica;
Atividade 08 – Ensino, pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação
técnica; extensão;
Atividade 09 – Elaboração de orçamento;
Atividade 10 – Padronização, mensuração e controle de qualidade;
Atividade 11 – Execução de obra e serviço técnico;
Atividade 12 – Fiscalização de obra e serviço técnico;
Atividade 13 – Produção técnica e especializada;
Atividade 14 – Condução de trabalho técnico;
Atividade 15 – Condução de equipe de instalação, montagem, operação, reparo
ou manutenção;
Atividade 16 – Execução de instalação, montagem e reparo;
Atividade 17 – Operação e manutenção de equipamento e instalação;
Atividade 18 – Execução de desenho técnico.
Depois de discriminar as atividades, a Resolução inicia a determinar qual tipo de serviço cada modalidade de Engenharia pode assumir responsabilidade técnica, com base nas atividades descritas acima.
Por exemplo: o artigo 7º da Resolução 218 se refere ao Engenheiro Civil:
no artigo 12º da mesma resolução entram as atribuições do engenheiro Mecânico:
Art. 12 – Compete ao ENGENHEIRO MECÂNICO ou ao ENGENHEIRO MECÂNICO E DE AUTOMÓVEIS ou ao ENGENHEIRO MECÂNICO E DE ARMAMENTO ou ao ENGENHEIRO DE AUTOMÓVEIS ou ao ENGENHEIRO INDUSTRIAL MODALIDADE MECÂNICA:
I – o desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º desta Resolução, referentes a processos mecânicos, máquinas em geral; instalações industriais e mecânicas; equipamentos mecânicos e eletro-mecânicos; veículos automotores; sistemas de produção de transmissão e de utilização do calor; sistemas de refrigeração e de ar condicionado; seus serviços afins e correlatos.
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Novamente dentro dessa interpretação ampla, o engenheiro mecânico poderia assumir responsabilidades técnicas por INSTALAÇÕES INDUSTRIAIS E MECÂNICAS, em que estruturas metálicas são largamente utilizadas (Pipe Racks, Torres metálicas, Estruturas de sustentação de máquinas e equipamentos, estruturas para galpões e armazéns etc.).
Agora, as coisas começam a ficar estranhas quando saímos dessas duas modalidades: Um exemplo acontece com o Engenheiro Naval:
Art. 15 – Compete ao ENGENHEIRO NAVAL:
I – o desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º desta Resolução, referentes a embarcações e seus componentes; máquinas, motores e equipamentos; instalações industriais e mecânicas relacionadas à modalidade; diques e porta-batéis; operação, tráfego e serviços de comunicação de transporte hidroviário; seus serviços afins e correlatos.
Aqui aparece a mesma atribuição dos Engenheiros Mecânicos: “Instalações Industriais e Mecânicas” porém com a restrição de serem relacionadas à modalidade. Podemos concluir que o Engenheiro Naval poderia assumir responsabilidade técnica por estruturas que sejam, de alguma forma utilizadas no ramo naval, mas não quando não tiverem qualquer relação com o ramo. Por exemplo, um engenheiro naval poderia assumir ARTs de projetos de pontes rolantes para descargas de contêineres, mas não poderia assinar a ART de uma ponte rolante de uma indústria química.
o mesmo acontece com o Engenheiro Aeronáutico:
Art. 3º – Compete ao ENGENHEIRO AERONÁUTICO:
I – o desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º desta Resolução, referentes a aeronaves, seus sistemas e seus componentes; máquinas, motores e equipamentos; instalações industriais e mecânicas relacionadas à modalidade; infra-estrutura aeronáutica; operação, tráfego e serviços de comunicação de transporte aéreo; seus serviços afins e correlatos;
Eu fiz o vídeo abaixo para tentar esclarecer esse assunto:
Engenheiros de Produção podem assinar estruturas metálicas?
Aqui a confusão toma proporções fantásticas! Algumas modalidades de Engenharia têm vertentes cujos currículos são voltados para formar um profissional com conhecimentos técnicos e administrativos (gestão). Esses são os engenheiros de produção. Quando surgiram, essas modalidades, o CREA editou uma resolução própria para essas carreiras: A Resolução 235/75 que resolvia o assunto da seguinte forma:
Art. 1º – Compete ao Engenheiro de Produção o desempenho das atividades 01 a18 do artigo 1º da Resolução nº 218, de 29 JUN1973, referentes aos procedimentos na fabricação industrial, aos métodos e sequências de produção industrial em geral e ao produto industrializado; seus serviços afins e correlatos.
Estava criado então, o mecanismo de atribuições para a carreira de Engenharia de Produção, que não se refere a nenhum tipo de instalação Industrial ou mecânica, nem edificações. Ou seja, não poderiam assumir responsabilidade técnica por Estruturas Metálicas, e seu texto é bem claro ao dizer isso. Porém, em 1983, foi editada outra Resolução que voltava a tratar das atribuições dos Engenheiros de Produção: A Resolução 288/83, que entre outras disposições, distribuía as atribuições dos Engenheiros de Produção entre as diversas modalidades de Engenharia. veja o texto:
Art. 1º – Aos profissionais diplomados em Engenharia de Produção ou Engenharia Industrial, cujos currículos escolares obedeçam às novas estruturas, dar-se-á o título e atribuições de acordo com as seis grandes áreas da Engenharia de onde se originaram, e da seguinte forma:
a) Aos oriundos da área CIVIL, o título de Engenheiro Civil e as atribuições do Art. 7º da Resolução nº 218/73, do CONFEA;
b) Aos oriundos da área MECÂNICA, o título de Engenheiro Mecânico e as atribuições do Art. 12 da Resolução nº 218/73, do CONFEA;
c) Aos oriundos da área ELÉTRICA, o título de Engenheiro Eletricista e as atribuições dos arts. 8º e 9º da Resolução nº 218/73, do CONFEA;
d) Aos oriundos da área METALÚRGICA, o título de Engenheiro Metalúrgico e as atribuições do Art.13 da Resolução nº 218/73, do CONFEA;
e) Aos oriundos da área de MINAS, o título de Engenheiro de Minas e as atribuições do Art. 14 da Resolução nº 218/73, do CONFEA;
f) Aos oriundos da área de QUÍMICA , o título de Engenheiro Químico e as atribuições do Art. 17 da Resolução nº 218/73, do CONFEA.
Art. 2º – Aos profissionais a que se refere o artigo anterior aplicam-se os demais dispositivos pertinentes da Resolução nº 218/73, do CONFEA.
Art. 3º – Aos profissionais diplomados em Engenharia de Produção e Engenharia Industrial anteriormente à nova estrutura curricular, registrados ou não, aplicam-se as disposições vigentes à época de suas formações.
Art. 5º – Revogam-se a Resolução nº280, de 24 JUN 1983, e demais disposiçõesem contrário. Passaram a surgir então Engenheiros de Produção com Habilitações nas áreas clássicas, como por exemplo o Engenheiro de Produção – Mecânica ou Engenheiro de Produção Modalidade Mecânica que, segundo o dispositivo da resolução 288 do CONFEA, citada acima, devem receber as mesmas atribuições dos engenheiros mecânicos.
Atente-se para o detalhe do Artigo 5º dessa resolução: “Revogam-se a Resolução nº 280 de 24 JUN 1983, e demais disposições em contrário“. A resolução 235 dava atribuições a todos os engenheiros de produção, mas com a chegada da resolução 288, esta (235) foi revogada por entrar em conflito com a 288, nos casos em que o título profissional envolvia alguma das áreas clássicas da Engenharia. Portanto, à partir da resolução 288 do CONFEA, todos os engenheiros de Produção que tivessem alguma habilitação em outra modalidade deveriam receber suas atribuições conforme a resolução 288, e não mais conforme a 235. Isso aconteceu durante algum tempo, e todos os engenheiros de produção mecânica recebiam atribuições idênticas às dos Engenheiros Mecânicos, em alguns casos com restrições especificadas em seus registros profissionais devido à carência de algumas matérias no currículo.
Inclusive, no próprio site do CREA-SP, na seção de perguntas frequentes, essa condição já era conhecida pelos profissionais do conselho (ver pergunta 17 no link a seguir: http://www.creasp.org.br/perguntas-frequentes/mecanica
Mas, em um dado momento, em meados de 2010/2011 houve uma decisão do CONFEA, por votação, dos conselhos resolvendo voltar a conferir as atribuições a TODOS os engenheiros de produção conforme a RESOLUÇÃO 235. E à partir de então, os Engenheiros de Produção voltaram a sair das universidades sem as atribuições do Artigo 218.
Vários engenheiros entraram com processos de revisão de atribuições depois disso, sempre tendo seus pedidos indeferidos (negados), e muitos se sentiram lesados pois a mudança ocorreu durante o período em que estavam estudando, e não houve uma divulgação abrangente sobre o assunto. Por isso muitos só ficaram sabendo da mudança quando precisaram efetuar seus registros nos CREAs regionais, ou pior, quando tiveram que responder por exorbitância de atribuições por desconhecer os mecanismos que o CREA utiliza para conferir atribuições.
Além disso, se mesmo assim você tem a intenção de entrar com um pedido de revisão de atribuições no CREA, prepare-se e seja paciente pois o processo dura em média 6 meses para ser avaliado, e na maior parte dos casos são indeferidos com justificativas vagas. O suficiente para desanimar muitos profissionais.
Mesmo tendo suas atribuições restritas às atividades da resolução 235, os profissionais de Engenharia de Produção ainda encontram brechas de interpretação que lhes permitem atuar em campos relacionados às Estruturas Metálicas. Como o texto da resolução diz que o profissional poderia se responsabilizar por “…produto Industrializado, seus serviços afins e correlatos.”, não são poucos profissionais que assinam ARTs de Porta-Pallets industrializados, estruturas metálicas pré-fabricadas, máquinas e equipamentos de larga escala de fabricação. A atribuição competente a “Produtos Industrializados” e “Processos de Fabricação” pode ser entendida num patamar muito mais amplo que os da Resolução 218, e isso gera ainda mais confusão na mente dos profissionais. Afinal de contas, o profissional que tem competência para assinar o projeto de um produto industrializado feito totalmente de estruturas metálicas, como é o caso de um Porta Pallets industrial, não teria competência para assinar estruturas de galpões e instalações industriais?
Se eu fizer pós graduação, posso assinar mais projetos? A Resolução 1010/2005 que nunca saiu do papel.
Em 2005 foi proposta uma mudança na forma como as atribuições são conferidas aos profissionais de Engenharia, com a Resolução 1010/05 do CONFEA. Seria esta uma reforma total na maneira como os conselhos regionais distribuem as atribuições, fazendo uma análise de currículo escolar caso a caso, e não mais atribuindo conforme as grandes áreas de atuação, como é feito atualmente na Resolução 218. Dessa forma, um profissional de Engenharia de Produção que tivesse em seu currículo matérias de Termodinâmica, Máquinas Térmicas e Elementos de Máquinas por exemplo, poderia, teoricamente, assumir responsabilidades técnicas por Sistemas de refrigeração e Ar Condicionado.
Mais que isso, a Resolução 1010/05 oferece um mecanismo que permite conferir atribuições profissionais a pessoas que continuaram a estudar em níveis de pós-graduação/Mestrado/Doutorado, podendo o profissional expandir suas áreas de atuação, estimulando assim o aperfeiçoamento profissional. (Atualmente a única área que confere atribuições a nível de pós graduação é a Engenharia de Segurança do Trabalho). Logicamente existem algumas restrições, pois o profissional deve permanecer na mesma categoria (Civil, Industrial, Química, Elétrica), etc. para aumentar suas atribuições através de uma pós graduação.
O problema é que essa resolução, depois de editada, nunca entrou em vigor, e vem sendo revogada ano após ano. Portanto, ainda permanecem os antigos métodos de atribuição profissional que os Engenheiros já estão acostumados.
Veja o texto completo da resolução 1010/05 do CONFEA neste link
O fato é que o cenário é confuso para os profissionais de Engenharia, que entram no mercado com cada vez menos atribuições profissionais, e com mais dúvidas sobre o que podem assinar ou não.
Resta-nos esperar que o CONFEA tome uma atitude coerente e simplifique o processo para conferir atribuições profissionais, permitindo que os mesmos saibam exatamente sobre quais tipos de serviços podem se responsabilizar sem correr o risco de incorrer no delito de “Exorbitância de Atribuições” e ter seu registro cassado ou suspenso.
grande abraço, até a próxima
Eng. Felipe Jacob